Já está mais do que na hora de a ética ser, de uma vez por todas, submetida a um sério interrogatório. Há mais de meio século ela repousa naquela cômoda almofada que Kant lhe preparara: o imperativo categórico da razão prática. Nos nossos dias, esse imperativo costuma ser apresentado sob o título menos suntuoso, porém mais fácil e corrente, de “lei moral”, sob a qual, após uma ligeira reverência à razão e à experiência, ele se insinua sem ser visto. Entretanto, uma vez dentro de casa, não cessa de dar ordens e comandos, sem fornecer muitas explicações. O fato de Kant , enquanto inventor do imperativo e depois tê-lo usado para eliminar erros grosseiros, ficar tranquilo com ele era justo e necessário. Porém, não é nada fácil ter de ver até os asnos rolarem na almofada preparada por ele e desde então cada vez mais acolhedora: refiro-me aos compiladores cotidianos de compêndios que, com a confiança serena que acompanha a falta de juízo, presumem ter fundado a ética quando se reportam apenas àquela lei moral que, segundo eles, reside na nossa razão, e depois quando se estendem tranquilos sobre aquele tecido de frases prolixas e confusas, com o qual conseguem tornar incompreensíveis as situações mais claras e simples da vida. Ao empreender tal iniciativa, nem chegam a se questionar seriamente se tal lei moral também estaria de fato escrita, como um código confortável da moral, na nossa cabeça, no nosso peito ou no nosso coração. Sendo assim, confesso o prazer peculiar que sinto ao tirar da moral aquela larga almofada e declaro com toda franqueza meu propósito de demonstrar que a razão prática e o imperativo categórico de Kant constituem hipóteses totalmente injustificadas, infundadas e inventadas.